Cristiana, Tradutora. Leeds, Inglaterra.
Depois de uma licenciatura e uma pós-graduação na FLUP, tive a sorte de encontrar logo um estágio (não remunerado, claro) na minha área que, seis meses mais tarde, passou a contrato e se revelou uma boa experiência em todos os sentidos. Fiquei nessa empresa um ano e meio, enquanto continuava a viver em casa dos meus pais porque o salário não dava para grandes (nem pequenos) voos. Em 2008, mudei-me para Lisboa, a seguir o coração… e um novo emprego.
É verdade que em Lisboa não estávamos muito mal. Tínhamos empregos de que gostávamos e recebíamos sempre no final do mês, algo que mais parece um luxo hoje em dia. Mas “não estar muito mal” nunca foi propriamente o meu sonho e por que é que havíamos de nos contentar com isso...?! Por um lado, queria sentir-me mais valorizada e recompensada, queria ver o meu trabalho e o meu esforço reconhecidos a todos os níveis. Por outro, queria ver mais coisas, conhecer outras pessoas e culturas, sair do típico “cá estamos, vai-se andando”. Queríamos muito viajar e, em Portugal, não era nada fácil…
Viver noutros países também foi algo que eu sempre quis fazer, mas a oportunidade parecia não surgir. Erasmus ficou fora de questão porque os meus pais não tinham possibilidades para isso e depois... As coisas foram acontecendo e quase parecia heresia abrir mão da estabilidade que já tinha, quando a maior parte dos meus colegas de curso ainda continuava à procura de uma oportunidade.
Em finais de 2009, vi um anúncio de uma empresa inglesa e resolvi candidatar-me. Acho que, como acontece com muita gente, não o fiz com grandes expectativas até que… Recebi um e-mail. E depois de uns telefonemas e alguns testes, convidaram-me para uma entrevista em Leeds. Como não tinha nada a perder e a viagem e a estadia de três dias até eram pagas, lá me meti num avião depois do Natal (e vi neve pela primeira vez!). Sem pensar muito, em Fevereiro já cá estava definitivamente e, passado meio ano, o meu namorado juntou-se a mim. Vimo-nos livres de carro, casa, móveis e afins, mandámos os livros para a garagem dos meus pais, e viemos com duas malas de roupa. Como disse o meu pai, “Se correr mal, é só voltar”.
Mais de um ano depois, não podia estar mais satisfeita com esta decisão. Não foi fácil deixar a família, o namorado e os amigos, e vir sozinha para uma cidade onde não conhecia ninguém. E as saudades do sol, da comida, do nosso poder de desenrascanço, etc. conseguem ser terríveis… Mas a vida não pode ser perfeita e, até agora, o balanço é que, sem dúvida, valeu a pena correr o risco. Posso estar sempre ansiosa por ir a Portugal mas, depois de lá estar dois dias, já só quero voltar.
Por cá não gosto do céu constantemente cinzento nem do consumo desenfreado de álcool e de muitas outras coisas! Mas são coisas que vão acabando por perder importância quando se olha para o panorama geral. Gosto muito de trabalhar 7,5 horas por dia e não ter de fazer horas extra nem ir trabalhar para casa para ganhar mais uns trocos. Gosto de poder viajar com alguma facilidade, de ter um apartamento razoável no centro da cidade, onde já posso receber pessoal do couchsurfing. Gosto das aulas de pilates no escritório, de não haver “engenheiros” nem “doutores”.
Claro que isto não é de todo um conto de fadas, como muitas vezes ingenuamente se pensa, mas em geral a vida aqui é mais fácil. Acho que se vive, em vez de se sobreviver. E a experiência pessoal está a ser preciosa. Não conheço outros portugueses em Leeds mas convivo diariamente com pessoas de todos os cantos do mundo!
Continuo a referir-me ao Porto como “casa” e acho que isso nunca vai mudar. Portugal não é nenhum paraíso (muito menos nesta altura...), mas certamente que nenhum outro país o será! Conhecer outras realidades tem-me mostrado que podíamos estar/ser muito melhores mas também me tem ajudado a dar valor ao muito que somos e temos.
Não fazemos planos a longo prazo mas não pensamos voltar tão cedo. Quando nos perguntam quanto tempo cá vamos ficar, costumamos responder que ficamos enquanto “as coisas correrem bem”. Se deixar de assim ser, outro sítio qualquer haveremos de encontrar.
cristiana.reis@gmail.com
2 comments:
Olá, gostei muito do teu testemunho. Está bem estruturado e optimista.
Mas confesso que vejo pouco realismo na blogosfera sobre a realidade de ir para fora trabalhar.
Na tua situação pode n ser o caso (porque até dizes que gostas de onde vives e o que fazes) mas muitas vezes n é assim. A comptitividade é muito maior. Tens de mostrar trabalho, e n apenas horas. O despedimento é muito fácil. A habitação é cara e de fraca condição (no meu caso, Londres). e é preciso um investimento inicial alto (renda+caução+primeiros meses sem emprego) para que as coisas siguam o bom caminho.
E vejo isto pouco documentado quer neste blog quer noutros. Parece que é tudo um mar de rosas. Que ganham todos balurdios e moram em zonas giras. Até depois chegarmos cá e verificarmos que moram com mais 5 pessoas num apartamento minúsculo e que o dinheiro que vai para as UGG não vai para comprar carne (porque isso é muito caro, e vivendo com carne todos os dias n daria para chegar ao fim do mes).
Começo a ver algumas pessoas a virem para cá com nada para oferecer e com menos de 1000€ no bolso convencidos que vão arranjar emprego na primeira semana apenas pelo que leem na blogosfera.
Também gostei do teu lado realista "n gosto do ceu cinzento...". Porque nem tudo é espectacular e perfeito.
Boa sorte e agoenta-te por aí até pelo menos 2020...que agora com o FMI é que a coisa vai aquecer.
O optimismo inicial de se mudar de país, é normal: é um começar de novo, uma "segunda oportunidade", e tudo é novidade. A verdade é que pondo todas as experiências na balança, as boas ganham sempre. Não nos queremos de lembrar no dia em que alguém fingiu não ouvir a nossa pergunta, só porque somos estrangeiros e estamos de mochila às costas; não nos queremos lembrar do dia que nos confundiram com uma turca e nos abriram a porta do seu estabelecimento para sairmos; etc; e nem interessa porque percebemos que preconceitos existem em toda a parte do mundo, até no nosso país, mas só nos apercebemos quando nos encontramos na mesma situação de imigrante. E depois há a renda de 600€/mês que se paga por um apartamento de 50 m2, fora despesas de água e electricidade.
Não é um mar de rosas, mas até das más experiências se tira uma lição. Lição essa que nunca teríamos aprendido se continuássemos no nosso país, na mesma condição de há anos, acomodados. É uma "viagem ao nosso interior" e a verdade é que as pessoas vão para fora para "crescer". É isso que elas procuram, mesmo não sabendo :) E algumas apercebem-se que, afinal, não teria sido preciso sair do país para "crescerem". Outras encontram na terra que os acolhe o reconhecimento que não tiveram no seu país e pensam "ainda bem que saí".
Acredito que existam muitos casos em que as expectativas não foram de todo preenchidas, ao emigrarem, e esses talvez não se sintam à vontade de o partilharem. Talvez porque se associe isso a um "insucesso", já que todos que emigram dizem que vale a pena. E afinal, é para valer a pena! Quem é que gosta de contar à própria família que, passados 10 meses num país estrangeiro, ainda não encontrou trabalho? Ninguém. Quanto mais num blogue de relatos de pessoas desconhecidas, cujas experiências sao todas positivas.
Isto de se ser emigrante, tem muito que se lhe diga :) O importante é cada um ter a certeza do que quer e seguir a sua intuição. E ser feliz com essa decisão.
Mas aí está um boa sugestão: criar um blogue, idêntico a este, pensando no passo seguinte a emigrar. Com relatos dos que emigraram. Com lugar a experiências boas mas também más.
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