9.5.07

ORDEP, Arquitecto, Timor-Leste (Díli)
Na altura em que uma pessoa se encontra a finalizar o curso, e de repente surge o pânico de procurar um estágio rompendo-se com a rotina diária de cinco anos, começa-se a pensar nas diferentes opções a tomar. A minha vinda para Timor-Leste surgiu de uma forma espontânea, sem ter sido eu a procurá-la. Soube desta vaga através de um colega que também concorreu. Uma entrevista, entrega de CV, sem grande stress, de uma forma completamente descontraída e descomplexada. Acho aliás que foi essa atitude que me valeu a vinda para Díli. Uma semana depois telefonavam-me dizendo-me para fazer as malas... Aí sim apercebi-me das implicações de uma ida para um país a 16 000 kms do meu. Aí sim o stress surgiu, até porque primeiro teria que terminar os exames, um período que muitos sabem ser bastante complicado. Desdobrava-me entre exames, noitadas de trabalho, vacinas, leituras sobre os projectos desenvolvidos e a desenvolver em Timor-Leste, e acima de tudo desdobrava-me entre despedidas, assaltadas por pensamentos sobre a mudança que a minha vida ia sofrer. Arrisquei e posso hoje dizer que não me arrependo de o ter feito. Alguns dos meus colegas apelidavam-me de maluco, e perguntavam-me se tinha a noção de que estava prestes a partir para um país com muitas carências, onde poucas das coisas a que estava habituado existem. Eu respondia que tudo ia correr bem, que eram apenas 5 meses, mas como é óbvio essas mesmas questões assaltavam-me diariamente. Em Agosto de 2005 parti para Díli. Cheguei a três de Agosto e logo percebi que o trabalho ia ser muito, que Díli até nem é uma cidade muito bonita, que o povo timorense nos acolhe de uma forma muito especial, que o calor e humidade são esmagadores, que a condução pela esquerda ia necessitar de habituação... que o desafio ia ser grande. O período de habituação a um país como Timor-Leste nunca é curto, diga-se o que se disser. Quase dois anos depois da minha chegada são mais as coisas que não percebo neste país do que as que percebo realmente. Diariamente dão-se acontecimentos que me fazem concluir que é para mim impossível qualquer tipo de compreensão deste país. Optei por uma atitude, onde vivo dia após dia, apercebendo-me das novidades, e assimilando-as de uma forma descomplexada. Não é uma atitude derrotista e de desinteresse pelo país, mas uma atitude resultante de episódios vividos ao longo destes dois anos, dos quais não conhecia todos os pormenores que se enlaçam em teias de outros pormenores, e outros, e outros, e que tornam muito complicada qualquer conclusão clara. Pior é quando alguém se julga o dono da verdade, dando longos discursos de uma forma aparentemente muito esclarecida, encarnando uma personagem sábia. Muitas das vezes quem encarna esta personagem, acabou de chegar, precipitando-se numa adaptação forçada, que raramente se dá correctamente. O processo de adaptação a Timor-Leste é lento, e tem de ser levado com calma, paciência e acima de tudo muita humildade.Estes dois anos foram passando com muito trabalho, bastante stress, mas também com muitas histórias para mais tarde contar. Inicialmente seriam cinco meses, mas vão ser dois anos nos quais esta minha estadia em Timor-Leste me permitiu amadurecer como pessoa e como profissional. O exercício da arquitectura e urbanismo é aqui um desafio ainda maior. É uma luta diária, que por vezes tem finais amargos, mas quando o seu sabor é doce nunca o açúcar foi tão forte. Apaixonei-me por esta terra, e cada vez mais estou certo da decisão correcta que tomei em Agosto de 2005. O risco era grande, mas como se diz que quem não arrisca não petisca... eu decidi arriscar e petiscar. Um pôr-do-sol diferente em cada dia que me acompanha na condução para casa ao final do dia, as paisagens fabulosas que surgem curva após curva, a montanha, as praias, a natureza, um povo único que faz este país...
Além de uma experiência profissional única, estes dois anos em Timor-Leste têm sido uma experiência de vida única, e que me fez passar a viver um dia de cada vez.