14.5.08

Ana F., Bióloga, Holanda

Uns chamam-nos Geração Rasca. Outros chamam-nos Geração À Rasca. Eu prefiro ter uma abordagem mais optimista e pensar que somos a Geração Erasmus/Inter Rail.
A nossa Europa não é a mesma que a dos nossos pais. É mais fresca, mais aberta, mais curiosa. Tenho consciência que muita gente em Portugal não teve a possibilidade e a boa fortuna de gozar de nenhum dos programas de estímulo ao intercâmbio acima mencionados por razões económicas, mas também é preciso reconhecer que hoje em dia são muitos mais os jovens que têm a oportunidade de viajar e explorar – indubitavelmente mais que os da geração dos nossos pais...
Eu serei 100% fruto desta nova Geração. Fui uma das afortunadas que teve a possibilidade de gozar da Europa sem Fronteiras no seu pleno! Ainda na Escola Secundária eu e os meus colegas de turma tivemos a oportunidade incrivel de realizar um intercâmbio com uma turma do País de Gales. Suponho que tenha sido então que o bichinho das viagens começou a crescer dentro de mim... As três semanas que passámos ora lá, ora em Portugal, abriram-me os olhos para as pluralidades do Mundo, dos pensamentos e das Culturas. Já durante Universidade (à custa de muitos tostões contados ao longo de cada ano) acumulei na bagagem das minhas viagens um total de três Inter Rails durante os meses de Verão, e finalmente acabei por me aventurar num estágio de 9 meses, ao abrigo do programa Erasmus, em Amsterdão.
A minha experiência em Amsterdão foi reveladora em tantos e tantos aspectos... Cheguei lá fresquinha, curiosa, esperançosa e defrontei-me talvez pela primeira vez na minha vida com o peso de preconceitos e julgamentos a priori – sendo do “Sul” nunca seria tão boa como eles e sempre teria de fazer três vezes mais que os holandeses para me provar de igual valor. Foi como um soco no estômago que, durante os meus primeiros meses, me deixou zonza e desorientada... mas à medida que o tempo passava fui-me encontrando outra vez mais forte e por fim vi um lado muito positivo de toda esta minha experiência – tornei-me uma cidadã do Mundo. Longe da minha familia, dos meus amigos e de tudo o que me era familiar vi-me obrigada a reinventar-me e nas adversidades encontrei-me mais moldável. Cresci imensamente como pessoa. Vivi e conheci pessoas de inúmeros países e culturas e aprendi em 9 meses tudo aquilo que não se aprende nas escolas e nos livros sobre os mundos no Mundo. Hoje olho para trás como um dos períodos mais criativos da minha vida. Mesmo os “socos” que apanhei fortaleceram as minhas convicções, a minha determinação e curiosidade e ensinaram-me a fintar este e outros tipos de perconceitos com graça.
Amsterdão marcou-me assim de forma indelével e fortaleceu irreversivelmente o bichinho das viagens e da aventura. Apesar de ter voltado para Portugal após o meu Erasmus, onde realizei um segundo estágio, sabia que não iria por lá ficar muito tempo... As razões eram muitas. Para começar, sendo cientista as perspectivas e oportuninades em Portugal são mais escassas – não inexistentes, mas certamente mais limitadas. Por outro lado, certos aspectos da sociedade portuguesa faziam-me agora muito mais comichão. A sociedade holandesa é das mais tolerantes e abertas (ainda que seja preconceituosa também), e a minha experiência em Amsterdão já não me permitia fazer orelhas moucas a algumas das injustiças que testemunhamos em Portugal com a mesma facilidade com que fazia antes. Ainda assim, estes eram obstáculos contornáveis e não seria justo da minha parte deixar de admitir que o que realmente me impulsionou e me empurrou para uma vida de emigrante foi a minha insaciável curiosidade pelo Mundo.
Assim, aqui me encontro novamente na Holanda. Estou a realizar o meu doutoramento desde há três anos. À partida não teria escolhido viver novamente aqui. Apesar do saldo global da minha experiência em Amsterdão ter sido positivo, em termos profissionais foi um desastre! Fui desrespeitada, as minhas capacidades profissionais e intelectuais desaproveitadas, fui explorada exercendo trabalho de técnica de laboratório durante 9 meses ao invés de aprender e de me desenvolver como cientista. Como veêm, não há só relatos de abuso em Portugal... Justiça seja feita, foi o meu estágio em Portugal que realmente me deu a formação e me permitiu dar o salto qualitativo que fez de mim “PhD material”. No entanto, tive a oportunidade irrecusável de realizar o meu doutoramento num dos melhores laboratórios europeus e decidi que deveria dar uma segunda oportunidade ao país, porque afinal um caso não são casos. Felizmente ainda não me arrependi.
Confesso que razões do coração também tiveram o seu peso nesta minha decisão... O meu namorado também é português e, tal como eu, encontrou melhores condições e mais estimulos aqui na Holanda. No caso dele as diferenças em relação a Portugal são ainda mais gritantes, uma vez que ele é músico. O investimento na Ciência e na Cultura na Holanda simplesmente não é comparavel! Mas não será justo tentar traçar parelelismos com Portugal, dado que os niveis de riqueza destes dois paises tambem não são comparáveis...
Considero que nos países do Norte da Europa, regra geral, faz-se mais política com uma maior consciência social e, como consequência, há maior qualidade de vida. Talvez lhes seja mais fácil dado que são países mais ricos. De toda a forma, as pessoas levam uma vida melhor, mais saudável, com mais dinheiro, com menos preocupações, com melhor sistema de saúde, com melhores reformas. Não sou eu quem o diz. Basta sair à rua e olhar quem passa. No entanto penso que são sociedades mais individualistas, que pecam por falta de sentido de comunidade e que por vezes lhes falta o sentido de solidariedade como algo mais do que um mero conceito intelectual mais ou menos abstracto. Dá a impressão que por terem tão boas redes sociais, cada indivíduo pode escusar-se de ser mais solidário no seu dia-a-dia. Em suma, não há Sociedades perfeitas. Todas têm falhas e todas têm qualidades.
Considero que viver uma temporada fora do país de origem uma experiência essencial, que nos desafia e nos obriga a sair da nossa comfort zone. No que me diz respeito, a mais valia que estes anos de experiência fora de Portugal me deram foi uma maior compreensão do Mundo e uma melhor formação humana. Hoje conheço e aceito melhor os meus limites, os limites dos outros e os do meio que me rodeia e isso permite-me ser mais tolerante e mais feliz. Penso conseguir ver com objectividade os lados bons e maus das sociedades portuguesa e holandesa e é-me impossível rotular uma de boa e outra de má. Estes adjectivos simplesmente não se aplicam! Tudo dependerá do que cada um valoriza, das suas aspirações, oportunidades, etc. Posso apenas dizer que tendo em conta o que eu procuro na vida e o que eu valorizo neste momento, sinto-me melhor e sei que estou mais próxima de alcancar os meus objectivos estando aqui na Holanda.
Não voltei costas a Portugal, nem Portugal me voltou as costas a mim. Simplesmente precisava de algo diferente. Nunca procurei emprego em Portugal, por isso não posso falar de experiência própria acerca do desemprego e dificuldades que lá se vivem. Mas não é possivel negar que, em comparação com o resto da Europa, a situação é mais dificil para quem decide ficar. A minha familia, como bons portugueses que são na sua veia para o dramatismo e fado, dizem-me “Ai filha, não voltes que não vale a pena...”. De facto não penso voltar. Ainda não estou preparada para voltar, nem sei se alguma vez estarei. Mas também não penso ficar por aqui. Quando a minha jornada acabar, faço malas e parto à descoberta de outras realidades.

8 comments:

DM em Caracas said...

Muitos parabéns, Ana! Gostei muito do teu post optimista e do espírito com que foste para aí, não porque te sentiste derrotada mas porque querias vencer novas batalhas.

Alberto said...

Ola Ana! Fantástico testemunho!Esse espírito de aceitares os desafios em vez de te lamuriares, de saberes o que queres e lutares pelos teus sonhos é um verdadeiro exemplo a imitar!Ao fim a ao cabo, o que nos realiza depende de nós, da forma como encaramos os retos e nao com os factores externos que usualmente gostamos de invocar para justificar a nossa infelicidade.

Anonymous said...

Obrigada aos dois pelos vossos comentarios! :D Tinha vontade de partilhar as circunstancias que me levaram a procurar outras realidades fora de Portugal e achei que este blog seria o palco perfeito para tal.
Gostava apenas acrescentar que tenho a consciencia que tenho tido sorte e que tenho entrado nos paises pela "porta de ouro", como costumo dizer, e que isso tambem condiciona a minha visao das coisas. Apercebi-me disso quando voltei pela segunda vez para a Holanda, munida de uma bela de uma bolsa de doutoramento nas maos, e conheci imensas pessoas (portuguesas e nao so') com cursos superiores a trabalharem aqui em armazens e nas estufas, a carregar caixas e fazer esforcos fisicos... Jornalistas, advogados, musicos, etc... E' verdade que ganhavam o suficiente para viver com dignidade e que possivelmente em Portugal estariam sem emprego, mas aquilo nao me deixou de fazer confusao. Nao sei... Para muita gente a realidade de Portugal ou do pais de acolhimento pode ser bem mais agreste e isso leva aos comentarios mais ressentidos e mais pessimistas que por vezes aqui lemos.

So queria dar aqui a minha palavra de apoio, alento e animo a todos que querem aventurar-se! Sejam quais forem as vossas razoes, nao devem contentar-se com uma situacao sub-optima! A felicidade nao esta necessariamente no pais onde nasceram.

Anonymous said...

Acompanho este blog desde praticamente o seu início e apesar de já ter lido testemunhos extremamente interessantes, aqui registados, este foi, sem dúvida, o que superou pela sua meticulosa objectividade, pelo sentido de análise crítica, pela articulação inteligente com que as ideias são expostas.
Ana,
estás de parabéns porque, sem caires na fácil verborreia, dás, num texto brilhante, toda uma apuradíssima visão do que representa para a nossa geração tentar outros voos, rumar a outras realidades diferentes da do nosso país.
Muitas felicidades!

Mário said...

Li nas tuas palavras a história da minha vida. Muitos parabéns pelo post e força camarada emigra.

Bjo desde Barcelona
Luigi

Anonymous said...

Acho muito interessante que a tua família seja a primeira a apoiar-te nessa tua aventura e nem sequer queira que regresses a Portugal... Há muitas famílias que fazem exactamente o contrário, apesar dos filhos estarem muito melhor lá fora, o seu egoísmo de pais leva-os a pressionarem os filhos para regressar, mesmo que para uma situação pior, ou remediada! por isso parabéns tb à tua família!
ana fernandes

Sissi said...

Grande experiência!! Adorei, sobretudo o optimismo! Também passei uma parte da minha vida na Holanda em erasmus e num curso de verão em Utrecht. A minha passagem é definitivamente por aí e só estou à espera de dar "o salto". Sou professora do 1º ciclo e trabalho num colégio particular em Braga. Tenho uma situação estável e boa mas preciso de voar e de aprender na minha áera, coisa que só vejo possivel aí. No proximo ano lectivo tentarei estar em doutoramento mas gostaria de tentar faze-lo aí, especialmente em Utrecht. Para já, tenho bons professores mais interessados em que eu o faça cá mas estudando a realidade holandesa... enfim, gostaria de saber se foi dificil conseguir entrar para doutoramento aí. Até lá, boas aventuras! :) Sissi

Anonymous said...

Ola Ana Fernandes. Obrigada pelo comentário. Obviamente não é fácil para a minha família, mas eles compreendem que para que eu atinja os meus objectivos preciso de estar fora do país, pelo menos por uns tempos...

Sissi,
Obrigada pelo teu comentário. A Holanda é um país com muitos aspectos positivos, sem dúvida!
Quanto a conseguir aqui doutoramento, para mim foi fácil em especial porque eu tinha boas hipóteses de ganhar uma bolsa pela FCT dado o meu currículo e em especial o curriculo do meu chefe. No entanto, eu sei que há muito financiamento para investigação académica e é costume haver vagas disponíveis para as quais tu podes concorrer e ir a entrevista, como qualquer outro trabalho. Aconselho-te a fazeres uma pesquisa pela internet e simplesmente escrever emails a professores e tentares a tua sorte. Boa sorte!

Ana F