6.5.07

Alexandre Gamelas, Arquitecto, Nova Iorque
Já saí de Portugal há quase cinco anos. Desde que fiz Erasmus, em Roma, o único periodo em que vivi na terra foi quando estava a fazer a prova final de arquitectura, e foram seis óptimos meses. Acho que basicamente saí pela aventura, não tanto pelo sufoco do país, que não sentia tanto quando era estudante. O sufoco vinha da minha faculdade, fechada e reaccionária, e da qual não tenho nenhumas saudades. Quando chegou a altura de começar a trabalhar, decidi que queria experimentar coisas diferentes (no mundo da arquitectura) e isso levou-me de Londres a Nova Iorque. Ter trabalhado entretanto um ano em Roma também ajudou, porque aí dei-me conta dos paralelos que existiam com o nosso país e, com as devidas ressalvas (comida, beleza, simpatia das pessoas) do lodo que é a sociedade sul-europeia, e de como é completamente ilusório pensar que se pode começar por baixo ("por baixo" quer dizer sem ser rico e/ou sem ter cunhas). Em Nova Iorque pagam-me razoavelmente bem e dão valor ao meu trabalho, mas o mais importante é que gosto mesmo de o fazer, ao ponto de não me importar de ir trabalhar aos fins de semana. Além disso é a cidade mais europeia, no sentido de ter vida urbana com alguma qualidade (acho que percebo o problema de LA - passar a vida dentro do carro é exactamente o contrário). Em resumo: vim para cá trabalhar numa área específica, num sítio específico, que por isso mesmo só aguenta existir numa cidade grande como esta (ainda por cima com uma qualidade de vida decente).Agora se a questão é saber porque é que os licenciados saem de Portugal, muito simplesmente (e com os devidos exageros):Em Portugal as universidades boas são ridiculamente baratas. Trabalhar faz calo. Logo, toda a gente estuda.Se toda a gente estuda, há muitos licenciados.Em Portugal os impostos são elevados, com poucas contrapartidas. Logo, não há incentivos à fixação de empresas. Sem empresas não há trabalho para os licenciados, que as fábricas estão todas na China e arredores.Se não há trabalho, a escolha é entre ir trabalhar para as obras (mas faz calo), para o shopping, ou para o estrangeiro. Alguns ficam e arranjam empregos pequenos, que pagam mal e com poucas perspectivas, mas o normal é as pessoas contentarem-se, e é só por isso que não saem mais.
Acho bem que saiam, porque isso só quer dizer que nem todos nos contentamos com pouco. O mal do nosso país é pensar que é uma Suécia com rendimentos do Burkina Faso, e assim se afunda lentamente. Por isso temos que começar por baixo aqui fora, e um dia alguns voltarão para começar por cima e espera-se melhorar a coisa.